segunda-feira, 20 de junho de 2011

Crack - de paletó e gravata

As drogas estão nas ruas. Quer dizer, nas ruas sempre estiveram, mas estão de maneira inusual na mídia e nas redes virtuais por conta de dois episódios distintos e correlatos ocorridos nesta semana, um deles com "gran finale" marcado para hoje.
O premiado repórter fotográfico Juca Varella, um dos melhores do país, capturou sequência de imagens em que um cidadão bem apessoado, cabelos grisalhos, paletó e gravata, adquire e consome crack literalmente no meio da rua. Se bem que ali não é mais uma "rua" na acepção do termo, mas sim uma terra de ninguém chamada Cracolândia, região degradada do centro de São Paulo onde esta droga é vendida e consumida livremente.
Na última terça-feira, a sequência de fotos ocupou a primeira página da Folha, deixando à mostra a cara e a identidade do fumador de crack.
Foi o que bastou para que, tanto na edição posterior do jornal, quanto nas redes sociais no mesmo dia, os protestos pululassem: absurdo, antiético, jornalismo sensacionalista e, pasmem, invasão de privacidade!
Por que tanta chiadeira? Porque o cidadão estava lá com a cara bem reconhecível, coitado, expondo seu vício e fragilidade, merecendo condescendência e tratamento, segundo a maioria dos protestantes.
Esta foi a primeira vez que apareceu na capa deste ou de outro jornal alguém fumando crack?
Não.
Em outras oportunidades, os "nóias" fumadores retratados à exaustão tiveram sua identidade preservada?
Não.
Uai, então por que tanta indignação agora?
Ah, vício é doença e o jornal expôs de maneira cruel a doença do cara, invadindo a privacidade dele...
Opa, essa não dá para engolir.
Privacidade a gente tem dentro de casa, ou, como o próprio termo designa, em local privado.
O cara, e qualquer outro cara, é livre para fumar ou não fumar crack; se é viciado, merece, sim, tratamento, mas só se quiser, porque ninguém pode obrigá-lo a se tratar ou parar de fumar.
Isso chama-se livre arbítrio.

Se também ele quis (e ele quis, ninguém o obrigou) fumar no meio da rua, ora, abriu mão de sua privacidade, e por sorte ou azar foi parar na capa do jornal.
Alguém alertou: imagine se o cara tem filhos, o que eles vão pensar?
Vão pensar (por isso eu disse sorte...) que o pai está muito, mas muito mal e precisa de ajuda urgente da família, porque perdeu a noção para se expor dessa maneira e fumar crack no meio da rua de paletó e gravata - aliás, se estivesse molambento como a maioria dos fumadores de crack, ninguém teria dado a menor bola, aposto...
O fato é o seguinte: há uma quase-epidemia de crack que atinge todas as classes sociais no país ou pelo menos em São Paulo. As autoridades sanitárias e policiais não sabem o que fazer com o problema, suas ações são meramente paliativas. Conheço gente que já foi viciada em crack e largou o vício, o que quer dizer que isso é possível.
Se o sujeito quer fumar, crack, maconha, cheirar pó, cola, injetar o que for em suas veias, eu acredito firmemente que o problema é dele e só dele se for maior de idade e se fizer isso no privado. E ninguém tem o direito de proibir que cada um faça o que desejar com seu próprio corpo e sua própria vida, ponto.
Agora, se qualquer um optar por exercer essa sua liberdade no meio da rua, corre o risco, sim, de ir parar na primeira página do jornal. Isso dói para o retratado, mas chama-se jornalismo, ok?, porque não existe privacidade em praça pública.
Foto: http://acervo.folha.com.br/fsp/2011/6/14/2/5710725

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